domingo, 19 de junho de 2011

XINGU - A Terra Ameaçada *

CARTA DO CACIQUE MUTUA A TODOS OS POVOS DA TERRA


"O Sol me acordou dançando no meu rosto. Pela manhã, atravessou a palha da oca e brincou com meus olhos sonolentos. O irmão Vento, mensageiro do Grande Espírito, soprou meu nome, fazendo tremer as folhas das plantas lá fora.

Eu sou Mutua, cacique da aldeia dos Xavantes. Na nossa língua, Xingu quer dizer “água boa”, “água limpa”. É o nome do nosso rio sagrado.

Como guiso da serpente, o Vento anunciou perigo. Meu coração pesou como jaca madura, a garganta pediu saliva. Eu ouvi. O Grande Espírito da floresta estava bravo.

Xingu banha toda a floresta com a água da vida. Ele traz alegria e sorriso no rosto dos curumins da aldeia. Xingu traz alimento para nossa tribo.

Mas hoje nosso povo está triste. Xingu recebeu sentença de morte. Os caciques dos homens brancos vão matar nosso rio.

O lamento do Vento diz que logo vem uma tal de usina para nossa terra. O nome dela é Belo Monte. No vilarejo de Altamira, vão construir a barragem. Vão tirar um monte de terra, mais do que fizeram lá longe, no canal do Panamá.

Enquanto inundam a floresta de um lado, prendem a água de outro. Xingu vai correr mais devagar. A floresta vai secar em volta. Os animais vão morrer. Vai diminuir a desova dos peixes. E se sobrar vida, ficará triste como o índio.

Como uma grande serpente prateada, Xingu desliza pelo Pará e Mato Grosso, refrescando toda a floresta. Xingu vai longe… desembocar no Rio Amazonas e alimentar outros povos distantes.

Se o rio morre, a gente também morre, os animais, a floresta, a roça, o peixe… tudo morre. Aprendi isso com meu pai, o grande cacique Aritana, que me ensinou como fincar o peixe na água, usando a flecha, para servir nosso alimento.

Se Xingu morre, o curumim do futuro dormirá para sempre no passado, levando o canto da sabedoria do nosso povo para o fundo das águas de sangue.

Hoje pela manhã, o Vento me levou para a floresta. O Espírito do Vento é apressado, tem de correr mundo, soprar o saber da alma da Natureza nos ouvidos dos outros pajés. Mas o homem branco está surdo e há muito tempo não ouve mais o Vento.

Eu falei com a Floresta, com o Vento, com o Céu e com o Xingu. Entendo a língua da arara, da onça, do macaco, do tamanduá, da anta e do tatu. O Sol, a Lua e a Terra são sagrados para nós.

Quando um índio nasce, ele se torna parte da Mãe Natureza. Nossos antepassados, muitos que partiram pela mão do homem branco, são sagrados para o meu povo.


É verdade que, depois que homem branco chegou, o homem vermelho nunca mais foi o mesmo. Ele trouxe o espírito da doença, a gripe que matou nosso povo. E o espírito da ganância que roubou nossas árvores e matou nossos bichos. No passado, já fomos milhões. Hoje, somos somente cinco mil índios à beira do Xingu, não sei por quanto tempo.

Na roça, ainda conseguimos plantar a mandioca, que é nosso principal alimento, junto com o peixe. Com ela, a gente faz o beiju. Conta a história que Mandioca nasceu do corpo branco de uma linda indiazinha, enterrada numa oca, por causa das lágrimas de saudades dos seus pais caídas na terra que a guardava.

O Sol me acordou dançando no meu rosto. E o Vento trouxe o clamor do rio que está bravo. Sou corajoso guerreiro, não temo nada.

Caminharei sobre jacarés, enfrentarei o abraço de morte da jiboia e as garras terríveis da suçuarana. Por cima de todas as coisas pularei, se quiserem me segurar. Os espíritos têm sentimentos e não gostam de muito esperar.

Eu aprendi desde pequeno a falar com o Grande Espírito da floresta. Foi num dia de chuva, quando corria sozinho dentro da mata, e senti cócegas nos pés quando pisei as sementes de castanha do chão. O meu arco e flecha seguiam a caça, enquanto eu mesmo era caçado pelas sombras dos seres mágicos da floresta.

O espírito do Gavião Real agora aparece rodopiando com suas grandes asas no céu.

Com um grito agudo perguntou:

– Quem foi o primeiro a ferir o corpo de Xingu?

Meu coração apertado como a polpa do pequi não tem coragem de dizer que foi o representante do reino dos homens.

O espírito do Gavião Real diz que se a artéria do Xingu for rompida por causa da barragem, a ira do rio se espalhará por toda a terra como sangue – e seu cheiro será o da morte.


O Sol me acordou brincando no meu rosto. O dia se abriu e me perguntou da vida do rio. Se matarem o Xingu, todos veremos o alimento virar areia.

A ave de cabeça majestosa me atraiu para a reunião dos espíritos sagrados na floresta. Pisando as folhas velhas do chão com cuidado, pois a terra está grávida, segui a trilha do rio Xingu. Lembrei que, antes, a gente ia para a cidade e no caminho eu só via árvores.

Agora, o madeireiro e o fazendeiro espremeram o índio perto do rio com o cultivo de pastos para boi e plantações mergulhadas no veneno. A terra está estragada. Depois de matar a nossa floresta, nossos animais, sujar nossos rios e derrubar nossas árvores, querem matar Xingu.

O Sol me acordou brincando no meu rosto. E no caminho do rio passei pela Grande Árvore e uma seiva vermelha deslizava pelo seu nódulo.

– Quem arrancou a pele da nossa mãe? – gemeu a velha senhora num sentimento profundo de dor.

As palavras faltaram na minha boca. Não tinha como explicar o mal que trarão à terra.

– Leve a nossa voz para os quatro cantos do mundo – clamou – O Vento ligeiro soprará até as conchas dos ouvidos amigos – ventilou por último, usando a língua antiga, enquanto as folhas no alto se debatiam.

Nosso povo tentou gritar contra os negócios dos homens. Levamos nossa gente para falar com cacique dos brancos. Nossos caciques do Xingu viajaram preocupados e revoltados para Brasília. Eu estava lá, e vi tudo acontecer.

Os caciques caraíbas se escondem. Não querem olhar direto nos nossos olhos. Eles dizem que nos consultaram, mas ninguém foi ouvido.

O homem branco devia saber que nada cresce se não prestar reverência à vida e à natureza. Tudo que acontecer aqui vai voar com o Vento que não tem fronteiras. Recairá um dia em calor e sofrimento para outros povos distantes do mundo.

O tempo da verdade chegou e existe missão em cada estrela que brilha nas ondas do Rio Xingu. Pronta para desvendar seus mistérios, tanto no mundo dos homens como na natureza.

Eu sou o cacique Mutua e esta é minha palavra! Esta é minha dança! E este é o meu canto!

“Porta-voz da nossa tradição, vamos nos fortalecer. Casa de Rezas, vamos nos fortalecer. Bicho-Espírito, vamos nos fortalecer. Maracá, vamos nos fortalecer. Vento, vamos nos fortalecer. Terra, vamos nos fortalecer.”

Rio Xingu! Vamos nos fortalecer!

Leve minha mensagem nas suas ondas para todo o mundo: a terra é fonte de toda vida, mas precisa de todos nós para dar vida e fazer tudo crescer.

Quando você avistar um reflexo mais brilhante nas águas de um rio, lago ou mar, é a mensagem de lamento do Xingu clamando por viver."


ESSA CARTA FOI ESCRITA PELA JORNALISTA Mônica Martins, CRIADORA DA PERSONAGEM FICTÍCIA CACIQUE MUTUA.

Essa mensagem está correndo por aí e eu não podia deixar de participar também.
A inspiração veio daqui:
http://pistasdocaminho.blogspot.com

* Veja a primeiro episódio da série: XINGU - A TERRA AMEAÇADA
http://www.youtube.com/watch?v=2YFyfY3PTPk
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14 comentários:

  1. Oi flora,esta tua postagem não podia deixar de comentar,é dolorido ver qto todos estes indios sofrem com tanto abuso,a natureza violada cada vez mais,aqui em brasilia infelizmente vemos tantos pedidos de socorro,reclamações de tão perto.Dificil não poder fazer nada,nosso governantes são podre mesmo,A importancia de tudo so vale um pouco qto divulgada na imprensa,depois esquecem totalmente,poucos conseguem ser se quer ouvidos,voltam pra csa pior do que aqui chegaram.Infelizmente.
    Vamos pedir a deus que este quadro um dia possa mudar,e o homem saber respeitar a lei de causa e efeito.
    abraço,desculpe a todos pelo jornal

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  2. É tão triste ver o progresso invadindo tudo sem consciência.
    Essa carta fez-me lembrar os filmes de indios e cowboys, quando isolaram os indios nas reservas, usando e abusando da terra sagrada que pertenceu aos indios desde tempos imemoriais!!
    Sabe o que essa gente capitalista que vai construir a usina, precisava?
    Serem escalpelados!
    (eu digo isto mas não sou violenta hein!)
    Beijinhos,
    Rute

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  3. OI FLORA... É MESMO UM INFORTÚNIO ISSO TUDO...

    VIM TE VER, E DEIXAR BEIJOS...

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  4. Caríssimos amigos
    (no plural pois é extensivo aos seus leitores)

    É com grande alegria interior que estou comemorando os 500 seguidores em meu Blog:

    http://espiritual-idade.blogspot.com/

    200 seguidores em meu Blog:

    http://espiritual-poesia.blogspot.com

    200 seguidores em meu Blog:

    http://espiritual-mimo.blogspot.com

    A Vitoria é nossa!!!
    Pegue os seus mimos por lá... Vc os merece...

    Excelente feriado com as bênçãos do Alto...
    Com gratidão, carinho fraterno e amizade
    SE DEUS É POR NÓS... QUEM SERÁ CONTRA NÓS???
    Orvalho do Céu
    P.S. Querida Flora, a gente até adere às campanhas salutares mas vai deixando se perder como passar do tempo... a consciência ainda não nos adverte o suficiente... Pena!!! Deixamos nas mãos de alguns... Obrigada por alertar-nos uma vez mais... Bjks

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  5. Flora
    Gostei de ler este belíssimo texto. Ele é o espelho do seu perfil: uma pessoa que acredita em sonhos e luta pelos seus ideais. Ambientalista feroz, ama a Mãe-Terra!
    Concordo com a ideia:
    Mudar o curso dos rios é sempre um atentado ambiental!
    Cumprimentos.
    J Pinto

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  6. Oi,Flora!
    Junto a esta poderosa mensagem a minha indignação... É realmente vergonhoso e muito triste ver todo este descaso em relação aos nossos rios e terras, que são fontes verdadeiras de vida.
    Até quando as pessoas ditas "civilizadas" vão continuar deixando um rastro de destruição pelos seus caminhos? E até quando os filhos da floresta vão continuar sendo desrespeitados e oprimidos?
    A terra clama por justiça...O vento a proclama aos quatro cantos do planeta! Até quando seremos todos nós "seres pensantes" coniventes com tantas atrocidades? É preciso gritar mais forte...É preciso lembrar que todos somos filhos desta "nave Terra", e que para sobrevivermos precisamos de bom senso e respeito à nossa grande mãe natureza!
    Belíssimo texto,Flora!
    Precisamos realmente divulgar e alertar as pessoas sobre os crimes cometidos contra a natureza. Assim ,quem sabe, um dia teremos esperança de um mundo melhor para todos nós.
    Muito obrigada por nos trazer esta preciosa reflexão!

    Meu abraço solidário!

    Teresa
    ("Se essa lua fosse minha")

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  7. Oi, Anônimo:

    Apesar de ver todas essas coisas terríveis acontecendo, eu tenho esperança em dias melhores !
    Sei que, de um jeito ou de outro, tudo tem solução, depende apenas de querer mudar.

    Obrigada pela visita e comentário, só lastimo não saber seu nome.

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  8. Oi, Rute:
    Chega a ser patético esse nosso mundo...
    E o mais interessante é observarmos as loucuras que o Homem faz em nome do progresso !
    Enfim, seja o que Deus quiser...

    Beijo

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  9. Oi, Zininha:
    Ainda bem que existem as flores para alegrar nossa vida...

    Beijo

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  10. Parabéns, Orvalho, pelos seus seguidores !

    Quanto ao "...mas vai deixando se perder com o passar do tempo... a consciência ainda não nos adverte o suficiente... Pena!!! Deixamos nas mãos de alguns..."
    eu confesso que existem momentos em que me sinto muito cansada por ter nas mãos uma carga que poderia muito bem ser dividida por muitos!!!

    Beijo

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  11. Meu caro J Pinto:

    O Homem muda tudo ao seu bel prazer e arca com as consequências, não é mesmo ?

    Já fui espiar seu blog e tive a satisfação de encontrar nossa amiga Susana e seu belo trabalho turístico sendo divulgado lá.

    Obrigada pela visita !

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  12. Oi, Teresa:

    E quem disse que somos civilizados ??? E o que é ser civilizado ?
    Existe um filme - A Invasão (The Arrival) - em que os Et's dizem que se os humanos não sabem cuidar de seu planeta não merecem tê-lo. Acho que é por aí...

    Beijo

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  13. Flora

    Últimamente tenho andado muito triste com as coisas que estão acontecendo ao meu redor.Resolvi então me isolar um pouco,porque de tanta coisa ruim acontecendo aqui na minha cidade,acabei ficando doente,porque me emociono com muita facilidade e acabo prejudicando minha saúde.Quando denunciei no meu blog o problema do uso indiscriminado de venenos agrícolas,vc não sabe a polêmica que causou tudo isso,tiveram pessoas que distorceram o que eu falei e queriam me processar,comprei uma briga e tanto.Rompi o relacionamento com as pessoas que denunciei,até hoje não falo mais com elas.O que deveria ter acontecido o contrário,deveriam ter me agradecido por eu me preocupar com a saúde delas,mas não fizeram o contrário,fiquei muito triste com isso,mas não desanimo,estou apenas dando um tempo,prá eu me recompor de novo.Agora meu marido foi eleito síndico do Condomínio e prometeu que enquanto durar o mandato dele,ninguém mais colocará um veneno no local e está cumprindo a promessa.Mas a maioria das pessoas,ficaram do meu lado...menos mal.
    São tantas mazelas nesse nosso país ,que fico muito revoltada.
    Essa Usina,vai ser mais um desastre incalculável...mas o dinheiro está acima de tudo,as pessoas se corrompem ,haja vista o que está acontecendo em Campinas,vc não faz idéia o momento difícil que estamos vivendo...como diria o Bóris Casoy;ISSO É UMA VERGONHA!
    Abraços

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  14. Oi, Sonia:

    É mesmo triste, mas não podemos desistir dessas nossas pequenas batalhas. É de batalha em batalha que se ganha a guerra !
    Procure unir forças com outras pessoas que pensam da mesma maneira, pois a união faz a força.

    Hoje mesmo conversei muito com uma amiga sobre as distorções dos valores. Mas tenho fé em dias melhores.

    Beijo e parabéns por sua iniciativa !

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