Crise é a palavra do momento, mas a humanidade vive em crise desde que começou sua peregrinação pelo planeta Terra. Algumas crises são grandiosas, como a de 1929, outras mais discretas ou localizadas, mas sempre estamos EM CRISE. Minha avó Olívia chegou ao Brasil em 1926, juntamente com minha mãe que era uma jovem portuguesinha de 14 anos. Pouco dinheiro, muita economia para quem não tinha o berço dourado da classe A. Os lindos vestidos de 1934 só eram admirados no Jornal das Moças.
Econômicas por vocação e por necessidade, minha avó e minha mãe aproveitavam cada pedacinho de pano para fazerem toalhinhas bordadas que enfeitavam sua casa simples, porém arrumadinha.
Os pedaços das mangas e das "fraldas" das camisas masculinas que não ficavam puídas de tanto uso, viravam blusinhas para as duas e toalhas para mesinhas. E com várias emendas, lógico.
Toalhas de mesa e panos de prato eram confeccionados com sacos de farinha de trigo reutilizados inteligentemente.
Na foto o saco feito de retalhos onde minha avó guardava seus retalhos preciosos.
Também os pães eram guardados em sacos de tecido.
Minha avó fazia tapetinhos de fuxico (que não tinha esse nome na época), para colocar na porta como capacho.
Tudo era muito bem aproveitado. Eu gostava de observar meu avô Adelino barbeando-se com navalha (meu pai já usava Gillette !), num ritual cuidadoso, onde ele usava o papel que envolvia o rolo de papel higiênico para limpar a navalha a cada passada no rosto. Dessa forma, os pelinhos da barba não caiam no ralo da pia.
Minha mãe gostava de contar que teve um par de sapatos que durou 12 anos, e outro (depois desse) que durou 14 anos !!! Usou o mesmo sapato durante 14 anos ! Como alguém podia viver assim, dirão as mocinhas de hoje.
Também pudera, pois só eram usados para passear, pois durante a lida diária e até mesmo as saídas para compras no bairro, o que usavam eram os famosos tamancos de madeira.
Além disso, meu avô, homem de mil e uma utilidades, sabia pôr solas nos sapatos.
Ainda o vi muitas vezes pondo a sola de couro nos sapatos da família, e lá ficava eu, encantada, acompanhando seu trabalho de sapateiro. O pé-de-ferro está comigo, hoje decorando minha varanda florida.
Acho que o mundo vivia em CRISE e não sabia.
Por isso era mais feliz...
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Olá Flora
ResponderExcluirAo ler agora a sua crónica lembrou-me a minha própria infância e realmente tinhamos tão pouco, mas eramos muito mais felizes .Lembrei-me da minha primeira boneca sem ser de trapos, a alegria que eu senti quando a minha mãe ma comprou. Agora as minhas netas recebem dúzias de bonecas e a alegria é só o momento de abrir a prenda e não lhe ligam mais . Nós sim vivemos a crise, concordo consigo, mas não víviamos deprimidos. Bjs de Manta de retalhos
Amiga Elisa, que bom encontrar semelhantes !
ResponderExcluirParece que o ser humano é assim mesmo, quanto mais tem, mais quer, e nunca está satisfeito.
Tudo que se consegue com dificuldade, tem mais valor.
Beijo
Flora Maria
Olá Flora
ResponderExcluirObrigada pela visita,quanto aos cachos será mais fácil fazer com um exemplar, mande-me a sua direcção que eu envio-lhe um e assim torna-se menos complicado.Se tivesse a minha filhota cá em casa ela fazia o passo a passo ,mas agora só no Natal. Bjs de Manta de retalhos
Flora Maria
ResponderExcluirAdorei o relato, esses tamancos de madeiras, cheguei a conhecer, eram vendidos em feiras livres e quitandas.
Eram uma vida muito sacrificada, não podemos negar, mas cada momento tem suas glórias, seus valores e conseqüentemente suas crises.
Um grande bj,
Denise
Oi, Denise, esses tamancos de madeira eram usados também na casa dos meus pais quando eu era criança, porém de outra forma: eram calçados quando lavávamos o chão, pois não escorregavam, e era só deixá-los secar ao sol depois. A tira de cima era de couro e durava muito tempo. Mas os portuguêses, donos de quitandas ou armazéns, usavam o dia todo na sua loja. Lembre-se que naqueles tempos idos, não existiam chinelos ou sandálias de plástico !
ResponderExcluirBeijo
Flora Maria
Oi, Elisa, muito obrigada pelo carinho.
ResponderExcluirBeijo
Flora Maria
Adorei ler este relato, fez-me viajar no tempo. Aqui em Portugal, a coisa era bastante semelhante.
ResponderExcluirE em minha casa, também se aproveitavam as camisas e tecidos para transformar em outras coisas.
Sabe, Hazel, eu fico extremamente feliz em relembrar essas histórias antigas.
ResponderExcluirVenho de uma família de contadores de histórias, desde minha avó Flora, de quem herdei o nome. Ela faleceu com 96 anos, perfeitamente lúcida, e nós gostávamos de ouvir suas lembranças de tempos remotos.
"Recordar é viver", mas sem saudade, e sim, ternura pelos tempos idos...
Beijo
Flora Maria
Sou louca por este saco! Desde criança!!! hahahahaha! Ô família de gente doida!!! rs
ResponderExcluirDos bordados eu não lembrava...
Lembro do saco de retalhos onde a sua avó, minha bisa, guardava as balinhas que ela me dava (mas eu não podia comer! rs)Naquele quarto misterioso, numa casa mais misteriosa ainda. A infância é um período muito mágico, onde tudo tem um valor especial... Por isso gosto tanto de criança!
beijo
Oi, Cláudia:
ResponderExcluirO saco da foto é da vovó Olívia, pois tudo que era da vovó Flora perdeu-se pela Piedade. Não tivemos acesso a nada, e eu lastimo, pois naquela casa misteriosa existiam coisas que me encantavam, como o cabideiro que ficava no alto da escada.
E a vontade de ver o que estava guardado nos armários da sala ? E o quarto-sempre-fechado dos avós ? Um dia vi a porta entreaberta, mas não tive coragem de entrar. O quarto da tia Maria era a minha paixão, com as revistas que o tio Alberto guardava lá. Esse estava sempre aberto e eu me deliciava bisbilhotando tudo. E o sinistro quarto de ferramentas lá no terraço dos fundos ? É... aquele sobrado era muito misterioso mesmo.
Quanto ao saco cobiçado, um dia será seu...
Beijo
Flora Maria